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"Quando o governo e sociedade civil trabalham de forma complementar, o progresso chega mais rápido"

Redacção AJPD
21/8/2018

O professor Chidi Odinkalu esteve em Luanda e reforçou as suas ideias sobre a criação de uma Comissão Nacional de Direitos Humanos Angolana em entrevista ao jornal Mercado.

Na mesa redonda organizada pela AJPD e pela Mosaiko em Luanda, que mensagem deixou às associações de direitos humanos Angolanas?

 Estou em Luanda, sobretudo para aprender e espero estar envolvido em muito mais coisas do que apenas numa reunião. Espero ainda encontrar-me com o governo e com a sociedade civil. A meu ver, ninguém tem o monopólio do patriotismo, boas intenções ou ideias – nem o governo nem a sociedade civil. Precisamos uns dos outros. Por vezes, iremos discordar e outras vezes, poderemos concordar.

 Quando o governo e a sociedade civil trabalham de forma complementar, o progresso costuma chegar mais rápido. Essa é a minha experiência. Isto implica remover alguns obstáculos que impedem que a sociedade civil seja franca com o governo. A sociedade civil também vai aprender a melhorar as suas capacidades e os funcionários públicos podem aprender a ser menos defensivos ou ficar menos ofendidos ao ouvir coisas que não gostam. O desafio é, essencialmente, como melhorarmos a colaboração entre governo, instituições públicas e sociedade civil para benefício do povo. E é isso que tenho vindo a aprender.

 No seu discurso no 30º aniversário da Comissão Africana das Direitos Humanos e dos Povos em Banjul, destacou os desenvolvimentos deste organismo que teve um início de intensões, sobretudo políticas, mas tem vindo a tornar-se mais imparcial. Que mais há a fazer?

 As instituições regionais de direitos humanos em África cresceram muito, adaptaram-se e inovaram muito também. Nem sempre têm o crédito que merecem. A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos tornou possível o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos. Também assistiu ao Protocolo de Maputo sobre os Direitos Humanos das Mulheres em África e inspirou o projecto de protocolo sobre o direito à cidadania em África, que está agora em negociações e que poderá entrar em vigor antes do final deste ano.

Estas instituições têm adoptado medidas muito progressistas para proteger os direitos dos jornalistas, defender a liberdade de expressão, reprimir as atrocidades em massa e expandir o espaço democrático ao permitir a candidatura independente no continente.

Ainda há muito espaço para melhorias, mas já houve avanços consideráveis.A comissão ainda precisa de muita cooperação do governo em toda a África e, também de financiamento decente, o que nem sempre está disponível.

 Como pode o povo africano e os seus governos, valorizar e respeitar mais este tipo de instituições?

 O mais importante é oferecer colaboração e agir em conformidade com os estados. Muitos países africanos ficam a dever relatórios estatais, não implementam as decisões em que participam e não levam estas instituições a sério (de qualquer das formas, não tão seriamente quanto levam as instituições estrangeiras). Isto precisa mudar.

Há também uma série de países que parecem querer que o sistema regional africano seja abolido porque apela à ordem. Isso está errado.

Os membros da Comissão Africana são Africanos responsáveis que querem que o nosso continente tenha um bom desempenho. Por vezes, não irão concordar com o governo. E é assim que deve ser porque são eleitos pelas suas capacidades e de forma independente. O governo deve respeitar isso.

Actualmente, um dos membros da Comissão é uma funcionária pública Angolana. Esperemos que ambos, governo e sociedade civil a apoiem para que faça o seu trabalho com zelo e o nível exigido de independência, imparcialidade e diligência.

A questão dos direitos humanos no nosso continente é peculiar, sobretudo porque é preciso relembrar direitos essenciais e ensiná-los…

A minha experiência é que os Africanos sabem o que está certo e errado; o que é justo e injusto. O que não temos são instituições fortes ou boas o suficiente para nos proteger quando somos injustiçados ou tratados injustamente. Por essa razão, tendemos a aceitar rapidamente ou a evitar o contacto com instituições, fugimos ou escondemos. Esse é a questão que temos que abordar – Como ter instituições boas e fortes que irão ajudar as pessoas quando são prejudicadas?

Que estratégia segue a Comissão Africana para envolver pessoas e governos em assuntos relacionados com os direitos humanos?

Espero que a Comissão Africana fale por si. A Comissão realiza actividades para promover os direitos humanos, faz pesquisas e publicações, ouve casos, efectua investigações e alterna as suas sessões em diferentes países. Por exemplo, a sessão que a Comissão realizou aqui em Luanda, a última em Banjul, na Gâmbia. A anterior a essa, em Niamey, na República do Níger. A próxima, no final deste mês, será em Nouakchott, na Mauritânia. A ideia com este tipo de rotação, é usar as sessões para aumentar o conhecimento sobre a Comissão e os direitos humanos em África.

Quanto tempo levará para que vivamos no nosso continente sem nos preocuparmos com a violência e com o racismo entre nós?

Creio que é uma questão de ensino. O desafio, de alguma forma está connosco, temos o dever de continuar a trabalhar por um continente mais justo e com menos discriminação óbvia no seu seio.

Lendo a Carta Africana, percebemos que muito está a ser feito em questões de violência, massacres, mas ao mesmo tempo, é urgente combater o neocolonialismo que está a causar um entorpecimento das economias africanas, a exploração criminosa dos recursos naturais e o desrespeito pelo bem comum que os líderes africanos demonstram…

Tudo isso está defendido num grupo de direitos garantidos pela Carta Africana, incluindo os direitos contra a exploração e as garantias da dignidade do recurso. No entanto, estes direitos devem ser protegidos pelos nossos governos e países e, por todo o continente. Nem sempre tivemos governos a fazer o melhor para proteger os nossos povos.

Há alguns presidentes Africanos que passam mais tempo fora dos seus países e do continente do que no seu país e à medida que saem, retiram muitos dos nossos recursos. 

Na Nigéria, um ex-líder militar, Abacha, escondeu cerca de 5% de todo o nosso PIB na Suíça, até ele morrer, há 20 anos. Todas estas coisas são problemas para o nosso povo e para os países. Precisamos levar a sério os direitos humanos para que tenhamos a coragem e dignidade para combater estes problemas.